sábado, 7 de junho de 2014

Balada da perdição

Não mais me levanto
sem recolher as minhas lágrimas!
E faço delas meu o manto,
adormecendo sem noite fechada...

Teço com elas o meu rosário,
Só tem contas de pedra
só tem perdas para contar
toda uma vida de faz-de-conta.

Minha alma está de joelhos,
minhas mãos tocando o céu,
encontro meu velho rosto no espelho
derramando vontades de juventude,
Apenas sagacidade
reflectindo no vazio dos meus olhos
aquela saudade de me ser novamente
quase me assalta o coração.

Já me edifiquei de orgulho
hoje só me restam paredes nuas
e as sombras que a memória deixou ficar
Perder também é caminho
Ganhar, é estar próximo da salvação
e que outra salvação terei
senão aquela que Deus quiser
Senão aquela que o destino deixar?

E que o destino me delegue de novo a ti
Talvez o teu inferno me devolva o que vida roubou
E que Deus deixe que seja eterno
Como é eterna a presença da minha solidão. 





És como Deus ...

A plenitude desceu sobre ti
és como Deus
fonte de vida exalta dentro de ti.
É a semente que floresce 
e ousa ser fruto.
E todo o teu interior renasce
tornando-se carne da tua carne
Num coração feito metade
pulsando de vida,
que anseia o momento de nascer.
Eis o suspiro da existência
embalado no teu intimo
que de tão desejado
se tornará num sonho
dormindo no teu regaço.
Um pequeno anjo que desceu do céu
para abençoar os teus dias
como um pedaço de paraíso
reinando sobre as tuas mãos
o eterno amor a quem chamas filho.



domingo, 1 de junho de 2014

Os herdeiros do ultramar #2

Estava cansado mas apesar disso não conseguia dormir. Sentado mesmo a seu lado, estava um velho companheiro de outras batalhas. Volta e meia falava com ele. Havia uma compreensão mutua entre ambos, mesmo quando as palavras não saíam, os olhos falavam e isso bastava. 
Samuel dava voltas e mais voltas na cama, até já os lençóis estavam cansados de tamanho desassossego. E o seu companheiro continuava lá... Às vezes sentia-o puxar-lhe a perna, outras vezes sussurrava-lhe ao ouvido, segredos de outros tempos. Embora Samuel acabasse sempre vencido pelo desespero que trazia impregnado no corpo, despertava sempre para o mesmo pesadelo... e o seu companheiro murmurava numa voz quase inaudível:
- Salva-te Samuel...
E Samuel acordava prostrado sobre a sua perna direita, alagado em suor, quase afogado em lágrimas. Fechava os olhos e apenas via a sombra do seu companheiro afastar-se, carregando nos braços o que restava da sua vontade de vencer. Despedindo-se baixinho, Samuel apenas lamentava:
-Devo-te a vida!