domingo, 18 de maio de 2014

Dez: revisitando o séc. XX

"Costumava caminhar calada mas, ao contrário dos seus lábios, a sua mente falava de mais. Tinha ideias e ideais que guardava só para si. Quase sufocava de vontades...
Lembrava-se do tempo em que vestia espartilho. Ele também costumava roubar-lhe o ar, e a palavra. Embora fosse espevitada de mais para uma senhorita da sua idade.
Certa vez, teimou em ir para a guerra. Queria ser tão grande como os homens que lutam pela pátria, seja a pátria de quem for. Ousou cortar o cabelo...mas quando terminou de vestir a farda, já a guerra gingava ao som do jazz. Só restava a poeira e a vontade de gritar. Era a sina de ser mulher, era o jugo da sociedade, era o desejo de ser maior.
Vestiu na pele a cor da censura, trazia nos cabelos o aroma de África, das mãos pendiam cravos, vermelhos como o sangue que lhe corria nas veias e ainda assim dormia sobressaltada.
Soou o grito que faltava, saindo à pressa para a rua, ecoando a cada esquina. Já não era um Estado Novo, era o Povo quem gritava:
- Onde vais menina?
E ela, de esperança ao peito, clamava:
- Alforriar minha mãe!
(Assim era Liberdade, uma mulher caprichosa quebrando as correntes da Pátria sua mãe.) "


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