segunda-feira, 10 de junho de 2013

Crónicas de um lugar chamado NUNCA # 1

Ali estava ela. Sentada no baloiço improvisado de sempre. O livro estava aberto no seu colo enquanto o olhar atento deambulava entre a realidade e o sonho. Corredores imensos apareciam na sua frente, ladeados por grandes portas inertes, esperando desesperadamente serem corrompidas. Mas ela não se deixava seduzir por alegadas grandezas, buscava nas coisas pequenas o refugio sagrado dos bens maiores. 

No fundo daquele gigantesco corredor encontrava-se o desejado objecto de curiosidade, capaz de lhe roubar toda a atenção. Então, de passos apressados pela urgência de aventuras, abriu a pequena porta com a sua também pequenina mão. Quem haveria de imaginar que, aquele pequeno pórtico, albergava dentro de si toda a grandeza do universo. Um grotesco buraco negro sugando toda a imensidão para si, com todas as constelações acesas, formando um verdadeiro caminho de luz. Embora o caminho lhe parecesse não ter fim, sentiu os pés pairarem sobre um chão que não conhecia mas que lhe parecia infinitamente familiar.


Observando, seus olhos quase não acreditavam no que viam. Lugar onde gatos falavam, coelhos carregavam nas costas o peso do tempo. Mas o tempo parecia nem se importar. Corria para trás e para frente, no mesmo frenesim de sempre, alheio aos apuros dos demais. Estranhamente, para ela, o tempo parecia ter parado. Enquanto travava conhecimentos na sua recém descoberta chegada, degustava um belo chá tipicamente inglês, servido por um gentil cavalheiro. Ainda não tinha tomado o ultimo gole de emoção, já ao longe avistava, uma tumultuosa multidão de pequenos escudeiros disfarçados de cartas. Desembainhando todo o naipe de espadas, corriam de encontro à pequena forasteira, comandados por uma enigmática figura. De semblante carregado, olhos fitados nela, tão enfurecidos que pareciam arrastar consigo todos os tormentos do infinito. Uma pequena coroa adornava-lhe o topo do orgulho, e nas mãos carregava audaciosos corações. Os da terra prostravam-se perante aquela figura austera. Conhecida pela sua gananciosa esperteza, não devia nada à beleza e apesar de ter nascido entre a realeza, era senhora do Reino de Copas. Abeirou-se furtivamente dela, observando-a com tanto espanto e aspereza, gritando a plenos pulmões:


- Quem és tu forasteira? 

A pequena menina assustada, quase susteve a respiração. O seu coração parou por breves instantes. 

Acordou de repente do nada, entre as cordas do seu velho baloiço. Porque o nada para ela era tudo e o tudo era quase nada. Reconhecendo a voz que a chamava, exclamou cantando de voz afinada:
- Chamo-me Alice e tenho maravilhas para contar.


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