sábado, 28 de dezembro de 2013

Crónicas dos dias sem fim #1- Liberdades

Liberdades

E estou de volta. E, olhando em volta, tomo plena consciência, de que nunca estive verdadeiramente ausente. Cheguei com a sensação de nunca ter saído, mas se fecho os olhos, sinto-me como se nunca tivesse chegado. 


Sento-me, antes que a nostalgia me sugue o que resta da coragem. Não sei se é por ser segunda-feira, mas talvez tenha pautado a minha vida com demasiadas segundas-feiras... Cheguei em tempos a desejar estar aqui, com todas as minhas forças. E hoje, até a cor da parede me sufoca. Observo em volta... é-me tudo familiar e, no entanto, não me sinto mais na posse de tais objectos. Antigamente fazia questão que ali estivessem, sempre no mesmo lugar. Acreditava que me ajudavam de alguma maneira. Hoje vejo que não passava de mera superstição. Logo eu, que sempre enchi a boca para negar qualquer tipo de crendice obscura, que algumas mentes mais incautas criam para justificar o bem e o mal da sua existência.
Não paro de me surpreender. Sempre fui demasiado ambiciosa para obedecer a um "Não". Eram precisamente os "nãos" que me faziam criar asas e voar mais longe. A irreverência da juventude faz-nos acreditar que querer é poder e que o resto não tem importância. Hoje, aqui, pergunto-me o que realmente tem importância. Já nem reconheço a mulher que me olha friamente sempre que encaro um espelho por ai... Gostava de ter coragem para lhe perguntar pelo paradeiro daquela jovem sonhadora, que costumava madrugar só para ter o prazer de ver o sol nascer da varanda. Porém, creio, saber a resposta. Às vezes, a vida passa, e tudo o resta depois da chuva, são as intermitências reflectidas na estrada...

Um suspiro fundo, há que trabalhar... ( dizem ser o que as pessoas direitas fazem, abdicam de viver para trabalhar, para bem dos mercados, e do seu próprio bem estar, porém cada vez acredito menos nisso). Abro a minha pasta obstinadamente e no mesmo instante oiço o estilhaçar de vidros. Lá se foi a moldura. Era de mogno escuro com detalhes talhados na própria madeira. Uma relíquia adquirida num antiquário numa das muitas viagens a trabalho. Sim porque as pessoas dignas que realmente querem ser alguém na vida, não viajam a lazer. E isso de tirar férias é um luxo de gente fútil que não tem nada mais importante para fazer. Lembro-me que, na altura, me apaixonei por ela. Fazia-me lembrar a casa da avó Joana. Talvez por isso lhe tenha colocado uma foto dessa época. Alta para a idade, a menina que alguns juravam ter o verão pintado na pele e o fogo do outono no olhar. Cabelos enormes, quase pela cintura voando na brisa fresca, adornados por uma rosa bravia de um bege tão pálido que mal se fazia notar nos tons dourados do cabelo. Estava de jardineiras arregaçadas e uma camisola de padrão étnica com ombro descaído. Roupas de uma juventude que já não reconheço. Agia como os raios do sol, mas caminhava como o beijo da chuva. Tão menina, mas tão mais mulher.
E foi naquele momento, ao encarar aquela outra visão tão distante de mim, que acordei. A rotina estava de volta e as pessoas que se prezam costumam cuidar bem da sua. A liberdade é coisa para fracos (corajosos). Os ambiciosos (cobardes) gostam de rotinas... de contas bancárias satisfatórias e de futuros mais ou menos previstos. A coragem é apenas a miragem dos que ousam viver a liberdade de um dia de cada vez... e sejamos sinceros, o mundo sempre preferiu a longevidade. 


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